Camilo Santana. Um desafio chamado Brasilia





Apesar da reeleição tranquila, com quase 80% dos votos válidos, o governador Camilo Santana (PT) deverá enfrentar o maior desafio no cargo no seu segundo mandato, que inicia em 2019. O motivo é a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da República. Os dois estiveram em lados opostos durante a campanha e permanecem assim no espectro ideológico, mas precisarão deixar as diferenças de lado para construir um canal de interlocução a fim de liberar recursos para o Ceará.



A situação de Camilo frente ao Governo Federal nunca foi tão desconfortável. Primeiro, ele foi eleito em meio a uma gestão nacional petista. A então presidente Dilma Rousseff (PT), que foi reeleita em 2014, porém, enfrentou uma crise política que culminou, em 2016, no seu impeachment.



Depois, quando Michel Temer (MDB) assumiu o cargo, os desafios do governador cearense aumentaram, mas foram resolvidos a partir da aproximação dele com o presidente do Senado Eunício Oliveira (MDB). Agora, Camilo terá de encontrar meios de dialogar com um presidente que construiu parte da sua campanha com base no antipetismo.



A análise é de especialistas ouvidos pelo O POVO. O professor Valmir Lopes, cientista político da UFC, acredita que o governador terá um "desafio enorme" pela frente. "A situação fiscal do Ceará é boa, mas nós não somos exatamente um estado rico. A manutenção da máquina pública nós conseguimos fazer com receita própria, mas os grandes investimentos dependem de recursos federais", afirma.



Para Lopes, o que facilitou a criação da ponte entre Camilo e Temer, através do Eunício, foi a "posição institucional" que o governador assumiu durante o impeachment, evitando críticas mais duras ao emedebista. Nas eleições de 2018, ao contrário, o governador chegou a fazer críticas a Bolsonaro e a elogiar a campanha "#EleNão"."Agora ele tem um desafio enorme de encontrar um interlocutor para fazer esse elo. Eu não imagino como ele conseguirá fazer isso", analisa.



O professor, no entanto, é otimista. Ele aposta num arrefecimento dos "ímpetos ideológicos" dos agentes políticos a partir da posse em 2019. "É só passar essa fase de campanha para uma fase de governo efetivamente. Esses parâmetros da disputa política tendem a ser minimizados para colocar os interesses do Ceará como prioridade", finaliza.



Francisco Moreira, professor de Ciência Política da Unifor, destaca que a experiência de Camilo nesse primeiro mandato vai ajudá-lo a enfrentar esse novo e maior desafio. "Ele tem como fazer esse meio de campo e trafegar com certa segurança, além disso, eu acho que ele terá o apoio dos senadores e da bancada do Ceará na Câmara dos Deputados", diz.



O perfil "conciliador" do petista é exaltado como forma de garantir o diálogo. "Ele não tem arestas fortes com a oposição e é respeitado por quase todos os segmentos da população cearense", afirma Moreira. Ele também destaca a gestão do governador na área de economia. "Ele tem tentado conduzir o Estado no sentido de levar a área econômica para outros caminhos além da dependência do Governo Federal, através de parcerias privadas", ressalta.



Além disso, o modelo de gestão de Bolsonaro, que ainda é uma incógnita, pode surpreender nesse sentido. O presidente eleito já defendeu, ainda como candidato, um novo pacto federativo que garanta mais liberdade aos estados. No seu discurso de vitória, declarou que seu governo "respeitará de verdade a federação", de forma a garantir que os recursos federais cheguem a estados e municípios.



Para os cientistas políticos, esse é um bom sinal. "Um presidente deve governar para todos e não pode fazer discriminação de estados federativos", disse Moreira.



Os testes do primeiro mandato

2014: Governo Federal aliado, Camilo Santana (PT) é eleito governador do Ceará, enquanto a correligionária Dilma Rousseff é reeleita para a presidência da República. Em tese, é um bom cenário para o novo dirigente do Estado, mas Dilma foi eleita em cenário apertado e, aos poucos, a crise política vai se agravando, paralelamente ao crescimento do antipetismo no País.



2015: Dilma não consegue para aprovar matérias no Congresso Nacional e a situação política dela vai ficando insustentável até que, no final daquele ano, um processo de impeachment contra ela é aberto. Camilo assiste a toda essa crise posicionando-se pouco, ao mesmo tempo em que tenta enfrentar outras crises no Ceará, que vão da seca à saúde e violência.



2016: Dilma é afastada e Michel Temer (MDB) assume a presidência interina e, depois, definitivamente. O governador que começou o mandato com uma presidente aliada de repente se vê na oposição a um chefe de executivo que é chamado pela oposição de "golpista". Os canais de diálogo com Temer são praticamente inexistentes.



2017: A solução do imbróglio com o presidente da República é resolvida com a aproximação entre Camilo e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB), correligionário de Temer. Antes ferrenhos opositores, ambos começam a participar de inaugurações juntos, até que admitem a formação de uma "aliança institucional". O acerto facilitou a liberação de recursos para o Ceará.



2018: Camilo é reeleito com quase 80% dos votos, maior votação proporcional do País. A facilidade de reeleição não repercutiu na campanha do seu aliado Eunício, que não chegou ao Senado. Além disso, o candidato petista à presidência, Fernando Haddad, também não consegue vencer a eleição. A partir do próximo ano, Camilo terá de enfrentar o desafio de criar canais de interlocução com o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), a quem ele pessoalmente fez campanha contrária.