Aperto nas contas públicas desafia prefeitos cearenses diante de segunda onda da pandemia




Legenda: Aumento de casos de Covid-19 nas últimas semanas acende sinal de alerta nas gestões
Foto: Helene Santos



Gargalo para gestores públicos muito antes do cenário de pandemia, a saúde pública tem desafiado mais ainda prefeitos no combate à Covid-19. Em início de gestão, diante de limitações orçamentárias, déficits no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e, em alguns casos, dívidas deixadas pelos antecessores – que ameaçam comprometer receitas essenciais para as cidades –, os esforços são maiores para não deixar faltar o essencial no enfrentamento à pandemia, como insumos, medicamentos e profissionais de saúde. Enquanto tomam ciência do saldo nos cofres públicos, muitos se desdobram para cortar “de onde podem”, deixando até mesmo outras áreas em segundo plano, para garantir o funcionamento das redes municipais de saúde.

Apesar de o estado de calamidade pública, aprovado no ano passado para várias cidades do Estado, permitir que os gestores públicos descumprissem metas fiscais sem sofrer sanções, as desobrigações eram válidas apenas para medidas de enfrentamento à pandemia até 31 de dezembro de 2020. Agora, o “livre para gastar” sem licitação não está mais em vigência.



O presidente da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), Nilson Diniz (PDT), reconhece que a situação de dificuldade financeira atinge algumas prefeituras e acaba impactando na gestão da Saúde, assim como em outras áreas da administração pública. Num cenário de aperto das contas, 78 dos 184 municípios cearenses gastam com pessoal mais que o permitido pela LRF. Os dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE), referentes ao segundo quadrimestre do ano passado, são os mais atualizados. Além dos 78 municípios, o presidente da Aprece avalia que “uns 20” prefeitos podem amargar prejuízos por rombos deixados por ex-gestores.



Legenda: Nilson Diniz defende que o momento, para os novos gestores, é de “cortar o máximo que puderem” para equilibrar as contas e garantir mais fôlego para a Saúde e áreas essenciais
Foto: Helene Santos




78
municípios do Ceará extrapolaram os gastos com pessoal permitidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal no segundo quadrimestre de 2020. Os valores são os mais atualizados, conforme o Tribunal de Contas do Estado (TCE)



Nilson Diniz defende que o momento, para os novos gestores, é de “cortar o máximo que puderem” para equilibrar as contas e garantir mais fôlego para a Saúde e áreas essenciais, nem que neste início de gestão entreguem o “feijão com arroz” e depois se preocupem com outras promessas de campanha.





Recursos

Destaca, ainda, que os prefeitos têm que se preparar para um cenário futuro com menos recursos, tendo em vista que a crise financeira no País deve impactar na diminuição de repasses federais.


“Quem é prefeito agora tem que se virar nos 30, já tem menos recursos e vai ter provavelmente menos recursos em nível federal. Tem que demitir funcionários que não estavam dando retorno, cortar tudo que não for essencial nesse momento, principalmente despesa com pessoal, e renegociar dívidas. É claro que cada caso é um caso”, ressalta Diniz. Ele pondera, porém, que dificuldades financeiras têm diminuído nas prefeituras ao longo dos anos.



A presidente do Conselho das Secretarias Municipais do Ceará (Cosems-CE), Sayonara Cidade, ressalta que não tem recebido “reclamações gritantes” dos novos secretários de saúde, mas pontua que eles têm o desafio de equilibrar as contas das pastas para não deixar faltar insumos nem atendimentos, ao passo em que também precisam endurecer a fiscalização de aglomerações, para evitar um aumento no número de casos de Covid-19 em suas localidades.

Nas secretarias municipais, segundo a presidente do Cosems-CE, deve-se buscar organização para não deixar faltar estoque e priorizar contratações essenciais.


“Nós (secretários) trabalhamos com um limite de recursos apertado. Temos que fazer um trabalho eficiente, não deixar faltar estoque de insumos, medicação, EPIs”, salienta.



Neste cenário, gestores de municípios de pequeno porte reconhecem problemas financeiros, mas afirmam que a saúde tem sido priorizada. Em Santana do Acaraú, por exemplo, o prefeito Francisco das Chagas Mendes (PL), conhecido como 'Meu Deus', assumiu a Prefeitura com 74,67% das receitas comprometidas com gastos de pessoal, conforme dados do TCE, mas relata que não falta nada no hospital da cidade por mérito da gestão da unidade.

“O prefeito passado deixou contas a pagar, mas também dinheiro em caixa. Aqui, a Prefeitura é engessada por conta de várias gestões. A gente tem que assumir com o pé no chão e procurar solução para os problemas. Problema tem, mas na Saúde a gente não está deixando faltar nada”.

Em Milagres, onde o prefeito Cícero Figueiredo (PDT) assumiu o cargo com um comprometimento de 72,42% da receita com pessoal, segundo dados do TCE, a situação é difícil, mas “melhor do que em muitos” municípios, conforme o gestor. “Hoje, por conta da Covid-19, a demanda na Saúde é maior”, relata Cícero, ao acrescentar que os insumos médicos e hospitalares no município são suficientes “por mais 60 dias”.
Reduzir despesas

O gestor diz que tem reduzido despesas desde que assumiu, para dar mais fôlego às contas públicas. “Houve muita contratação para a Saúde por conta da Covid-19, que acabou comprometendo folha. Mas houve demissões ainda na gestão anterior e os contratos foram encerrados em 31 de dezembro. A gente só renovou o que era estritamente necessário e a partir de novas necessidades a gente vai inserindo”, relata o gestor, que também ressalta diálogo permanente com o Governo do Estado e parlamentares federais.

Em Paracuru, que tem 65,21% da receita comprometida com gastos de pessoal, o prefeito Wembley Beim (PDT), que era candidato de oposição ao antigo gestor, iniciou a gestão com recursos “sendo sequestrados” para pagamento de dívidas. É o que relata o secretário de Saúde da cidade, Ângelo Nóbrega. “Na Saúde, existe um déficit de custeio. Insumos nós temos para mais 15 dias, mas já estamos providenciando uma compra emergencial enquanto não sai uma licitação, para não ter perigo de faltar”, ressalta.

Ele pontua que a pasta diminuiu a quantidade de carros alugados, bem como atendimentos eletivos, para custear despesas essenciais na Saúde. A Prefeitura não tem hospital próprio e depende de convênio com a Santa Casa para atendimentos.

Em Carnaubal, o prefeito Zé Weliton (PDT) também é oposição. O município tem 61,75% das receitas comprometidas com gasto de pessoal, conforme dados do TCE. A secretária da Saúde da cidade, Daniele Rodrigues, relata que assumiu a pasta, inclusive, com atrasos na divulgação das notificações de Covid-19.

Segundo ela, a nova gestão precisou cortar gastos e remanejar servidores efetivos da saúde, para não deixar serviços descobertos. “Estamos com dificuldade, mas a Saúde está sob controle. Não falta medicamento e o hospital está abastecido”, pontua.

Leitos

Com o aumento de casos de Covid-19 no Estado, o governador Camilo Santana (PT) anunciou na última semana a reativação de 211 leitos de internação hospitalar na rede
pública de assistência a pacientes infectados, que compreendem todas as cinco regiões de saúde do Estado.

Prazo

A reestruturação deve ocorrer em um prazo de até 15 dias. Um novo decreto estadual também foi publicado, endurecendo as regras sanitárias vigentes para tentar frear o aumento no número de casos da infecção no Ceará.
DN 

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