Cidades sem saneamento, asfalto e emprego gastam milhões em shows




Deputados e senadores enviam os recursos diretamente para o caixa das prefeituras, que podem dar ao dinheiro o destino que bem entenderem




Tribuna da Bahia, Salvador

16 horas e 8 minutosFoto: Reprodução


Por André Shalders, Daniel Weterman, Julia Affonso e Vinícius Valfré


Mesmo sem energia elétrica, saneamento básico, asfalto ou posto de saúde, pequenas cidades investiram milhões em shows de cantores, a maioria deles sertanejos, neste ano eleitoral, destaca o Estadão. Deputados e senadores enviam os recursos diretamente para o caixa das prefeituras, que podem dar ao dinheiro o destino que bem entenderem, sem prestação de contas.
Localizada a 110 km de Maceió, a cidade de Mar Vermelho (AL) está entre os cem municípios de menor renda no País. Seus 3.474 habitantes enfrentam problemas, como falta de saneamento - presente em apenas 14,9% das casas -, ausência de pavimentação - só 24% das moradias estão em ruas com urbanização adequada - e de emprego (9,4% da população estava empregada em 2019). Ainda assim, o prefeito André Almeida (MDB) gastou R$ 370 mil com Luan Santana. É como se cada morador tivesse de desembolsar R$ 106 com o cachê. A apresentação será em agosto, a dois meses das eleições.

Casos como esse proliferam pelo interior do País, onde inexistem políticas públicas. Levantamento do Estadão mostra gastos superiores a R$ 14,5 milhões com cachês de Gusttavo Lima, Zé Neto e Cristiano, Wesley Safadão, Luan Santana e Leonardo em 48 cidades. Os artistas foram contratados por prefeituras para fazer shows neste ano em municípios com menos de 50 mil habitantes.

A festança só foi possível com a ajuda de Brasília: as cidades que contrataram os shows receberam R$ 28,5 milhões em emendas parlamentares de uso livre. São as chamadas "emendas Pix", também conhecidas como "cheque em branco". O dinheiro cai direto na conta da prefeitura e nem mesmo os vereadores sabem ao certo quanto será gasto com os shows. Parte dos municípios nem sequer publicou os contratos. Dos 48 shows bancados com verba pública, o Estadão conseguiu rastrear os cachês em 35 deles.

Especialistas em contas públicas criticam a destinação do dinheiro. "É mais fácil desviar recursos por causa de um show do que por causa de uma obra. Uma obra pode ser aferida. Num show, é tudo muito relativo, o que é mais um motivo para essa profusão", afirmou Gil Castello Branco, da Contas Abertas. "Esse é um sintoma claro da captura do Orçamento por interesses menores em que o dinheiro é desperdiçado com gastos de baixa eficiência, baixa qualidade e questionável prioridade", disse Marcos Mendes, do Insper.

Os recursos que vão patrocinar o show de Luan Santana em Mar Vermelho foram enviados pelo senador Renan Calheiros e pelo deputado Isnaldo Bulhões, ambos do MDB alagoano. Ao fazer a emenda, o parlamentar não determina qual será o destino do dinheiro. Trata-se de uma decisão que cabe ao prefeito.

Fonte: Agência Estado

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